AND THE OSCAR GOES TO... Karl Marx!

“Este filme é sobre o Ohio e a China, mas podia ser sobre qualquer outro lugar onde as pessoas vestem os seus uniformes, picam o ponto, tentam que as suas famílias tenham uma vida melhor. Hoje em dia os trabalhadores têm a vida cada vez mais difícil. E nós acreditamos que as coisas vão ficar melhores quando os trabalhadores do mundo se unirem”. Julia Reichert, realizadora do documentário premiado com um óscar – «American Factory», agradeceu assim o galardão. Confesso que fui surpreendida por estas palavras naquele cenário. Não deveria.

Os sindicatos são organizações anacrónicas. Quantos dos que escrevem isto já precisaram do sindicato para garantir o pagamento de horas extraordinárias ou salários em atraso? 

Os sindicatos estão ultrapassados. Quantos dos que dizem isto já passaram noites ao relento para impedir a retirada de material das empresas para pagar as suas indemnizações? 

O trabalho por turnos, 365 dias por ano, é inevitável. Quantos dos que defendem isto já estiveram prestes a perder os filhos por não ter com quem os deixar, acusados de abandono e negligência? 

Os sindicatos não servem para nada. Quantos dos que escrevem isto, já recorreram ao sindicato para denunciar assédio moral e repressão no local de trabalho e contestar um despedimento ilegal, como a Cristina operária corticeira?

Podem usar os preconceituosos adjetivos que quiserem, mas não há nada de mais atual e necessário, do que a solidariedade e a unidade entre os seres humanos, nos locais de trabalho, na sociedade, na vida. Operários como no século XIX podem até existir em menor número no nosso país e no mundo, mas trabalhadores explorados, não param de aumentar. Dos que trabalham de sol a sol, em centros comerciais, call centers e fábricas com turnos de 12 horas diárias; dos que descansam e comem nas motos das entregas e nos carros que conduzem, estoirados de cansaço em troca de um salário de miséria; dos que são ainda forçados a emigrar à procura de uma vida melhor.

Os sindicatos não pertencem ao passado, pelo contrário, nunca fizeram tanta falta como hoje, a desindustrialização do país, a digitalização da economia e a precarização das relações laborais não reduzem o número de trabalhadores, criam novas formas de exploração e proletarizam novas profissões. Investigadores dão aulas de graça, jornalistas que são pagos às views nas notícias que escrevem, arquitetos que recebem salários baixíssimos, sem garantia de direitos, entre outros. Ah, mas não são trabalhadores, são empresários em nome individual, dirão.

Cara Julia Reichert, realizou-se há dias o congresso da maior central sindical deste país – a CGTP – criada durante o fascismo, e onde funda coragem foi necessária para vencer o medo, a tortura e a prisão. Lá, foi anunciada a adesão de mais 114.683 trabalhadores, mulheres e homens a quem a vida mostrou que nas derrotas e nas vitórias teremos sempre mais força se estivermos unidos. O caminho é tortuoso e duro, mas tens razão, a solidariedade será sempre o mais sólido cimento da civilização.


*Crónica publica na Revista Visão de 20 de Fevereiro. 

* Fotografia de @nunolopesphotography 

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