Fábrica de lingerie e de dignidade, foi há 2 anos

Há dois anos as trabalhadoras da ex-Triumph travavam uma batalha em defesa dos seus direitos e dos postos de trabalho. Durante 20 longos dias e noites impediram a retirada de material da fábrica de Sacavém, aguentaram chuva e muito frio e lutaram até ao fim para receber os salários e créditos em dívida. Aprendi muito com elas, do valor da resistência, da unidade e da solidariedade. 

"Fábrica de lingerie e de dignidade

Foi um dos filmes de 2017, na Quinzena dos Realizadores em Cannes venceu o Prémio da Crítica, arrebatou o Prémio CineVision em Munique e foi indicado para o Prémio Espírito da Liberdade em Jerusalém. A «Fábrica de Nada» é a primeira longa-metragem de Pedro Pinho construída a cinco mãos com João Matos, Leonor Noivo, Luísa Homem e Tiago Hespanha, a partir de uma ideia inicial de Jorge Silva Melo e da peça de teatro de Judith Herzberg. Foi rodado na cintura industrial de Lisboa, hoje mais cemitério industrial, e conta de viva voz histórias dos que resistem, dos que enfrentam com a coragem o encerramento e destruição de empresas, os salários em atraso, as chantagens para ceder a indemnizações a preço de saldo. Enquanto via o filme, lembrei-me dos que resistiram até ao limite das suas forças para defender a produção e os postos de trabalho. Lembrei-me dos trabalhadores da Cerâmica de Valadares, da Covina, da Sorefame, da Opel na Azambuja...Talvez até por ter sido a mais recente, lembrei-me particularmente das trabalhadoras da ex-Triumph de Sacavém. Lembrei-me delas e da sua luta corajosa contra o nada, que manteria a produção e os postos de trabalho por dois anos. Quando vi o filme em setembro, mal imaginava o que lhes estava reservado.

Comecemos pelo início: a Triumph empresa subsidiária do centenário consórcio alemão Triumph International existe em Sacavém desde 1961 e era a última unidade de produção na Europa. Em maio de 2015, após ameaça de encerramento e deslocalização foi vendida à Têxtil Gramax Internacional, visitada pelo Ministro da Economia e promovida como um exemplo de sucesso de investimento estrangeiro. Eis que, passado um ano e meio, as trabalhadoras foram confrontadas primeiro com um plano de reestruturação e depois, já em dezembro e com salários em atraso, com um processo de insolvência. Após terem sido literalmente abandonadas pela empresa, no início deste mês foram surpreendidas pela retirada de equipamentos e outros bens das instalações. De imediato organizaram-se e estão há mais de 20 dias à porta da empresa para não permitir a saída de qualquer equipamento e material, última garantia do pagamento dos seus direitos. Não receberam salário de dezembro, nem subsídio de natal, não vão receber salário de janeiro, têm ainda em falta 5 dias de salário de novembro e outros créditos laborais.

A onda de solidariedade tem sido importante, mas a ausência de rendimentos gera situações sociais dramáticas e as dificuldades das famílias avolumam-se a cada dia que passa. Por proposta do PCP foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República uma resolução que insta o Governo a recorrer a todos os instrumentos ao seu alcance para impedir o encerramento da empresa, a redução dos postos de trabalho e o cumprimento dos direitos dos trabalhadores. Mas até agora não se conhecem desenvolvimentos, até o afeto de Belém tarda a chegar. Note-se que não será absolutamente rigoroso referir apenas “trabalhadoras”, mas a esmagadora maioria dos 463 trabalhadores são mulheres. Muitas entraram ali ainda nem vinte anos tinham, praticamente não conheceram outro trabalho, deram anos de vida e de lucros a este gigante multinacional que agora as enrodilha e descarta.

«Fábrica de Nada» foi mesmo um dos filmes de 2017, e não apenas pelo reconhecimento internacional, mas pela estoicidade. Conheço vários dos não atores que participam no filme e sei que são dos "imprescindíveis" de Brecht, que aquilo que filmam foi já a sua vida. Mas a realidade insiste em superar a ficção, e hoje as trabalhadoras da ex-Triumph de Sacavém continuam a construir o guião, que é como quem diz, as suas vidas e o país.
O cenário é o mesmo: o Tejo, a luta diária pela sobrevivência, e os limites do capitalismo a tentar esmagar a dignidade. Um país sem aparelho produtivo e emprego com direitos é mercado para consumo imediato, jamais uma sociedade de progresso e justiça social.

Um abraço solidário e muita força a todos os trabalhadores da ex-Triumph de Sacavém e às suas famílias."

*Artigo publicado na Visão de 25 de Janeiro de 2017. 

Comentários

  1. E passados que foram 2 anos, onde está o dinheiro da venda do imóvel e seu recheio? O dinheiro que é devido aos ex-trabalhadores da Triumph? Isso sim, deveria ser motivo de noticia...

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