Bolívia, Requiem para uma República

A propósito do golpe de Estado em curso na Bolívia redescobri o que escreveu Miguel Urbano Rodrigues no segundo volume d'O "Tempo e o Espaço em que vivi, Revolução e Contra-revolução na América Latina"*.

"Um livro maravilhoso - Requiem para una República - de Sérgio Almaraz, lido numa noite branca, funcionou como introdução ao entendimento da Bolívia. Nesse ensaio profundo e brilhante, o autor, falecido em plena juventude, conseguiu esboçar magistralmente o retrato do povo e do país. Dele emergem sob luz forte as duas Bolívias antagónicas: a da tragédia e a da farsa, a Bolívia heróica e a vassala.

Ambas estão presentes na história, desde a Revolução Libertadora até ao presente. A Bolívia da insurreição índia de Tupac Katari; da Universidade de Charcas, que no século XVIII foi um grande pólo de cultura; de Pedro Murillo e dos guerrilheiros alto-peruanos que se bateram contra o império espanhol; a Bolívia de 52, quando os mineiros e os camponeses, em combates de rua, destruíram em La Paz o exército tradicional, assegurando a vitória da primeira Revolução progressista na América do Sul - essa Bolívia coexistiu sempre com a outra, que foi o último baluarte da Espanha imperial na América, a Bolívia que destruiu e expulsou o marechal Sucre, seu libertador, a Bolívia das ditaduras em cadeia, de Melgarejo a Barrientos, o país dos golpes, que perdeu o acesso ao mar e parte do território em guerras alucinatórias contra o Chile, o Brasil e o Paraguai, uma sociedade onde a fronteira entre a epopeia e a opereta cruel apresenta um traço nem sempre nítido.

O próprio espectáculo da vida impõe ao forasteiro atento a contiguidade das duas Bolívias."

O Miguel escreveu isto em 2004, continua infelizmente actual.  


*"O Tempo e o Espaço em que Vivi", Companhia das Letras, II Volume, pp.204, 2004.

** Fotografia de Ferdinando Scianna, Kami, Bolívia, 1986.






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