A Aida não ficou na fotografia dos World Travel Awards

Em 2017, a World Travel Awards premiou Portugal com importantes galardões: o melhor Destino Turístico do Mundo; o melhor Destino Europeu; a melhor Citybreak do Mundo (Lisboa); o melhor Destino Insular (Madeira); o melhor Exemplo de Recuperação de Património (Parques de Sintra-Monte da Lua); as melhores Campanhas de Promoção Turística. O feito foi celebrado com pompa e circunstância.

Para lá dos confetti e do espumante, ficou a dura vida das mulheres e dos homens que trabalham 
– literalmente – para a conquista destes prémios e que não aparecem nem na fotografia nem na distribuição de lucros. Os últimos anos têm provado que, por cá, os recordes de ocupação e de faturação turísticas são diretamente proporcionais ao agravamento da precariedade e à retirada de direitos dos trabalhadores do setor.

Conheci a Aida à porta do Hotel Sheraton em Lisboa. Numa manhã de um dia de greve marcado para defender direitos que no século XXI continuam a ser ameaçados de forma escandalosa. Depois de uma gravidez, ainda em período de amamentação, foi informada de que por motivo de “reestruturação da secção e razões de mercado”, o seu posto de trabalho ia ser extinto. Era delegada sindical e membro da comissão de trabalhadores, irónica coincidência certamente.

Contou-me com impressionante detalhe que aquela unidade hoteleira com 369 quartos tinha 240 trabalhadores em 2008; cerca de 160 em 2016, e em ainda menos em 2017. Trabalhava aos sábados, domingos, feriados em regime de turnos, e ganhava de vencimento-base 1 265 euros, salário semelhante aos colegas empregados de bar. Os trabalhadores, agora contratados para assegurar exatamente o mesmo trabalho, recebem entre 600 e 700 euros. Garantiu que as necessidades permanentes de funcionamento dos quartos por andar exigem diariamente 12 trabalhadores, que na época de picos altos de ocupação talvez se justifique recorrer ao outsourcing, mas infelizmente a exceção transformou-se automaticamente em regra. Agora, as trabalhadoras dos andares são praticamente todas contratadas em regime de outsourcing através de empresas de trabalho temporário, que de temporário nada têm, porque percorrem anos e anos a assinar contratos mensais e a rodar de hotel em hotel, de empresa em empresa. Dependem desta precariedade para garantir vistos de residência e são na sua maioria imigrantes que, quando conseguem juntar algum dinheiro, voam para outros países da União Europeia.

Voltei a encontrar a Aida em muitas outras lutas. Fez uso de todos os seus direitos, e sei que resistiu corajosamente à repressão e ao assédio para assinar um “acordo”. Na barra do tribunal, ouviu da 
Meritíssima Juíza que tem direitos, mas não são absolutos, já 
o Sheraton tem poder absoluto para despedir. Meses depois, já desempregada e a frequentar um curso de informática, relatou-me com impressionante clarividência que, num dos módulos sobre técnicas de procura ativa de emprego, são mesmo aconselhados a não dizer que são sindicalizados.

A hotelaria não é caso isolado. Diariamente, agrava-se o desrespeito por direitos fundamentais e prevalece a lógica de substituir trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos.

Enfrentar esta realidade obriga a soluções efetivas de combate à precariedade, de redução e respeito pelos horários, de valorização dos salários e 
defesa da contratação coletiva. Soluções totalmente ausentes das recentes propostas do Governo PS, acordadas com as confederações patronais e a UGT, que não só mantêm intocáveis as normas gravosas do Código do Trabalho como introduzem novos elementos negativos. A 6 de julho, aquando da 
discussão no Parlamento, o PCP proporá que 
a um posto de trabalho permanente corresponda sempre um vínculo efetivo; o alargamento 
do direito a férias; a reposição do valor das indemnizações; a não facilitação dos despedimentos; e a revogação das normas gravosas da legislação laboral.
Pela Aida, por todos os trabalhadores e pelo 
desenvolvimento do País

* Publicado na VISÃO 1319, de 14 de junho de 2018

** Fotografia de Paulo Spranger.

Comentários

  1. Lembro-me bem desta estória e desta luta.
    E porque a exploração se mantém, a luta continua!

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